Uma das formas mais seguras, prazerosas e tradicionais para se locomover na Europa é utilizando a malha ferroviária. São diversas companhias de trem que atravessam o continente inteiro oferecendo uma experiência única para quem viaja dessa forma. Até então eu já tinha certeza disso tudo, mas faltava fazer um dos roteiros que eu mais tinha vontade: seguir da Finlândia até a Rússia a bordo do Allegro.
A minha viagem toda foi feita em cima da hora, quando ainda estava na Estônia e pensei “já que vou estar na Finlândia, porque não ir à Rússia, que é bem ao lado”. Pesou também para o lado positivo o fato de que brasileiros não precisam mais de visto para entrar em território russo. Além dos custos serem baixos se forem comparados com países da União Europeia.
Como escolhi propositalmente ficar hospedado em um hotel a cerca de 10 minutos caminhando até a estação de trem em Helsinque , fui até lá comprar meu bilhete para o dia seguinte. Antes de ir à Finlândia eu tinha até dado uma conferida no site da VR (companhia responsável pelos serviços ferroviários) para verificar os preços e horários, mas a conexão de internet no hostel que fiquei na Estônia era muito ruim, então preferi comprar em dinheiro na estação. Assim que cheguei fui direto ao local para comprar o bilhete. Retirei uma senha de atendimento numa máquina automática, mas não esperei por muito tempo e fui logo atendido. A funcionária, muito bem educada e bem humorada por sinal, principalmente quando viu meu passaporte brasileiro, se comunicava muito bem em inglês e virou o monitor para que eu escolhesse o horário e dia de partida. Como eu queria me despedir da Finlândia curtindo bem minha última noite em Helsinque, escolhi partir no dia seguinte, às 6 e meia da noite. O custo do bilhete foi de 39 euros para a segunda classe. Achei um preço muito em conta.
Já no outro dia, segui à estação de trem uma hora e meia antes da partida. A recepcionista do hotel disse que eu não precisaria estar lá com tanta antecedência, mas como prefiro chegar um pouco antes a perder o trem, resolvi não ouvi-la. Afinal, os trens europeus costumam ser pontuais, e imprevistos sempre acontecem.
Quando cheguei ao local da estação que era destinado aos trens que partiam em direção à Rússia, fui conferir o quadro de horários. O nome do Allegro ainda não aparecia lá, mas como eu estava um pouquinho adiantado, não me preocupei muito. O tempo foi passando e logo faltavam cerca de 40 minutos para a partida, mas nada do trem aparecer. Olhei no quadro e o nome do trem ainda não aparecia lá, então fui perguntar no guichê onde havia comprado o bilhete. A funcionária do local me disse que eu deveria ficar atento ao quadro mesmo, pois somente através dele eu teria uma informação concreta. O tempo foi passando, passando… E nada do trem chegar. Comecei a andar por toda a estação com o mochilão para ver se o trem poderia estar em um ponto diferente, mas realmente ele não estava lá. Vi o trem que ia até outra cidade russa e fui lá perguntar à funcionária sobre o Allegro. Ela me disse que o ponto de parada dele era ao bem ali ao lado, então fiquei um pouco mais tranquilo por estar no lugar certo. Eu já estava me sentindo um pouco desgastado por estar andando um bom tempo aquela estação sob um calor forte, e com o mochilão nas costas. Era um dia muito bonito, típico de verão que é quando o sol se põe por volta de nove horas da noite.
Com 40 minutos de atraso o Allegro, enfim, chegou. Não questionei nada sobre o atraso a algum funcionário. Apenas segui para meu assento e coloquei minha bagagem acima. Eram dois bancos frente a frente, com dois lugares cada um. Eu fiquei no lado direito, que dava ao corredor. Ao meu lado estava uma senhora russa, e em nossa frente estava sua filha e seu neto. No meio havia uma mesa mas não ocupava tanto espaço assim. Para quem é alto como eu, não se preocupe por que não vai ficar apertado. O trem é muito confortável e novo. Tem tomadas e internet wi fi, além de água disponível gratuitamente e um restaurante/ lanchonete.
Passados alguns minutos de iniciada a viagem, alguns funcionários vieram conferir os bilhetes de cada passageiro. Um senhor finlandês muito educado pediu para ver meu passaporte e meu cartão de passagem. Me entregou o passaporte, e depois de algumas tentativas de tentar verificar o código de barras do bilhete passando numa máquina manual, ele me fez a seguinte pergunta: “quando você comprou esse bilhete?” Eu respondi que havia comprado no dia anterior na própria estação de Helsinque. Ele me entregou o bilhete e disse que aquele cartão de passagem era velho, que era para as 6 e meia da manhã daquele dia, e que eu deveria comprar um novo. Assim que ele me disse isso fiquei sem entender muito bem o que teria acontecido. “Será que fui vítima de um ‘golpe’ na Finlândia?” Na verdade não havia ‘golpe’ algum. A funcionária da estação que tinha se enganado, e eu preocupado com a simpatia dela não dei a devida importância em conferir o bilhete. Enfim, pedi desculpas e expliquei o que ocorreu e logo perguntei onde poderia comprar outro bilhete. Ele me disse que naquela hora não havia ninguém lá, e que eu deveria ir depois. Fiquei pensando “lá aonde?” … Mas como ele já se mostrava um pouco desconfortável com a situação, resolvi não perguntar nada mais. Me entregou apenas um pequeno formulário para preencher, referente à imigração, carimbou meu passaporte e foi embora.
No trem há também o serviço de câmbio. Achei o preço bem em conta se comparado com agências na Finlândia. O funcionário do trem faz a cotação ali na hora, te entrega impressa e ainda te dá uma notinha se você fizer usar o serviço. Você pode trocar dinheiro de inúmeros países, mas como em qualquer lugar que presta esse serviço, eles não aceitam moedas. Troquei algumas notas de dólares americanos e canadenses por rublos. Sugiro fazer o mesmo por que os preços são super faturados nos estabelecimentos russos que aceitam euro ou dólar. Troquei apenas o suficiente para pagar o hostel e me segurar por alguns dias até achar um outro local barato para trocar novamente.
A viagem foi seguindo e na primeira parada subiram alguns policiais russos para verificar nossa documentação. Ao olhar em volta fiquei um pouco receoso por ser o único estrangeiro ali, mas o tratamento foi o mesmo para todos. Eles verificavam página por página dos passaportes, faziam diversas perguntas, e com muita frieza e seriedade. Parecia que caso tivesse algo errado deixariam alguém na próxima estação. Percebi que ainda há um pouco da herança da União Soviética presente. O funcionário então pediu para ver minha mochila pequena, mas não inspecionou muito. Perguntou também o quanto de dinheiro eu levava, pois é proibido entrar em território russo portando mais de 65 mil rublos em dinheiro. Ao terminar ele carimbou meu passaporte e foi embora.
Dentre os bonitos lagos e florestas que eu via durante a viagem, uma paisagem que me chamou muito a atenção foi de uma usina nuclear desativada. Fiquei pensando no contraste que é a Rússia de hoje com os tempos da União Soviética e a Guerra Fria, e nas inúmeras histórias que li e ouvi a respeito. Sensação boa estar num lugar tão histórico, mas ao mesmo tempo estranha por lembrar dos períodos difíceis que as pessoas daqui passavam.
Em uma outra parada subiram funcionários da aduana russa. Assim como os policiais, também fizeram perguntas e pediram para ver os passaportes e as malas. Mas dessa vez foram um pouco mais simpáticos e chegaram a esboçar um sorriso. No fim recebi um pequeno papel carimbado junto com meu passaporte.
A viagem chegava ao fim quando decidi comer algo na lanchonete. Desisti assim que vi os preços. Como o trem era de administração finlandesa a moeda utilizada era o euro e, consequentemente, muito altos. Voltei ao meu assento e resolvi degustar um pouco do chocolate que comprei quando tinha passado pela Bélgica. Parecia já um pouco velho, mas no fim deu para saciar um pouco da fome. Até ofereci para a família russa que me acompanhava, mas não aceitaram.
Enfim a viagem chegou ao fim. Chegamos na estação Finljandski em São Petersburgo, onde Lênin, em 1917, deu início ao que seria a revolução russa. Há inclusive um monumento homenageando o líder soviético bem na entrada da estação. Chovia e fazia um pouco de frio quando cheguei do lado de fora. Foi então que lembrei do bilhete que deveria ter comprado ainda no trem, mas como o funcionário não me perguntou nada mais, resolvi seguir até o ponto de táxi para procurar meu hostel.
Informações:
Visto: brasileiros não precisam de visto para estadias até 3 meses, tanto Finlândia quanto Rússia. O passaporte precisa ter validade de, no mínimo, 6 meses a partir da data de chegada ao país.
Burocracia: é tudo feito a bordo do trem. Desde a validação do bilhete, até os serviços de imigração e aduana.
Preço: o preço varia muito. Acredito que tive sorte por ter comprado em cima da hora por 39 euros. Conheço algumas pessoas que pagaram cerca de 90 euros pelo mesmo bilhete de 2ª classe.
Onde comprar: existem inúmeros sites que vendem, mas acho mais seguro adquirir o bilhete no próprio site da
VR, ou na estação em Helsinque.
Duração da viagem: 3 horas e meia.
Comer e beber: há um restaurante pequeno, mas compre algo fora e leve a bordo com você, pois no trem é tudo bem caro.
Idioma: na Finlândia e no trem todos falam inglês, mas na Rússia é um pouco complicado para se comunicar se você não fala o idioma local. Sugiro levar um pequeno dicionário e aprender as palavras básicas para poder se virar bem.
Clima: de junho a setembro o clima é agradável, com períodos de bastante calor nos meses de julho e agosto. Mas se você prefere temperaturas frias, outubro a fevereiro é a época ideal.
E não esqueça de conferir para ver se comprou o bilhete certo. 😉