Meu nome é Natália, tenho 43 anos e sou enfermeira e trabalho como paramédica no distrito de Nenets Okrug, que fica a algumas dezenas de quilômetros a partir de Pustozersk, a primeira cidade polar russa.
Eu vou te mostrar como é um dia de trabalho de uma enfermeira rural no Ártico, dentro de uma pequena aldeia que fica bem na borda do mundo, um dos lugares mais gelados e isolados que existem.
Cada temporada é uma nova vida que se inicia para um paramédico. Harsh é uma pequena aldeia um tanto quanto sombria, porém com muitas pessoas com deficiência, idosos e outros seres humanos que necessitam de cuidados médicos constante.
Basicamente o meu trabalho se divide em temporadas. Seja por um mês, dois ou até mesmo seis meses.
A necessidade de profissionais em algumas áreas de trabalho é tamanha que freqüentemente contratam os serviços de especialistas que não residem no local, pagando viagens e outros subsídios. A maioria dos locais não aceitam determinados tipos de trabalho por causa dos baixos salários, fazendo com que visitantes de outras regiões ainda mais pobres e isoladas aceitem essas ofertas.
Num lugar como esse o tempo se move como uma particular lentidão. Tenho o hábito de levantar bem cedo e ficar olhando o tempo por alguns instantes através da janela.
A capta tv apenas um canal. Felizmente, para mim, este é um dos meus favoritos. Mas eu assisto apenas filmes e notícias, porque o resto dos programas não contribuem muito para ajudar a passar o tempo livre.
Esta é o meu banheiro. Ele é usado, basicamente, para lavar as mãos e escovar os dentes. A pia é chamada de “vaidade”, e a água fica armazenada na caixa branca, em cima.
Para necessidades fisiológicas utilizo uma casinha do lado de fora que funciona com um vaso sanitário.
Esta é minha cozinha e meu pequeno fogão elétrico. A eletricidade vem de um gerador que fornece energia para boa parte dos moradores.
Esse é meu café da manhã. A caneca, que compre assim que cheguei na cidade, com leite em pó e sem açúcar, queijo no mingau, chá e chocolate negro. Não é algo tão sofisticado assim, mas tudo bem. Neste momento você começa a apreciar algumas coisas simples da vida, vendo que o alimento disponível é tão bom quanto qualquer outro que poderia ter.
Durante o café da manhã gosto de ler algumas notícias no jornal local. Na verdade o jornal daqui é publicado uma vez ao mês, mas isso não chega a ter certa relevância aqui. As correspondências seguem o mesmo ritmo, pois são raramente os correios passam para entregar. Digamos que duas vezes ao mês.
Logo que possível, um evento obrigatório é buscar lenha para o forno. Durante a noite o vento sopra gelado, então ele é mais do que necessário para manter uma temperatura agradável. Este forno aquece dois quartos. Meu quarto e o outro que, na verdade, é a recepção onde eu recebo os pacientes.
No forno a lenha há sempre uma panela grande com água. A água quente pode ser necessária a qualquer hora, de forma inesperada. Houve um caso em que eu tinha que lavar os pés de um caçador antes de iniciar o tratamento de suas feridas.
Após coletar as lenhas sigo para a recepção, para aguardar os pacientes. A pequena enfermaria, a recepção e minha moradia ficam no mesmo prédio, porém em pequenas salas separadas. É uma enfermaria de proporções mínimas mas, na minha opinião, muito bem equipada para áreas rurais remotas.
Ela é dividida em várias partes, tem medicamentos suficientes e tem espaço suficiente onde os pacientes conseguem até ter um certo de privacidade ao trocarem de roupa para realizarem alguns exames.
Muitas vezes as pessoas não chegam até a enfermaria de mãos vazias. É normal que eles tragam peixes, chocolates e outras guloseimas mais. Quase sempre me oferecem comida em cada refeição que preparam em suas casas. Esses foram os peixes que ganhei hoje.
Devo acrescentar que todos permitem que sejam tiradas fotos de si na maior boa vontade. Alguns, inclusive, pedem uma cópia para guardar de recordação.
Não é só por sentir algum sintoma que muitos procuram a enfermaria. Grande parte fica ansioso para compartilhar alguma notícia que viu ou ouviu, ou simplesmente discutir assuntos relacionados a um programa de tv.
Eu tento ouvir mais ao invés de prescrever algo. Bem, não é uma policlínica onde pessoas ficam aguardando atendimento médico para casos um pouco mais complexos.
Na maioria da vezes o suficiente é realizar um rápido exame e ouvir as histórias que eles tem para contar. Para meus pacientes é muito importante essa comunicação direta, face a face. Eles precisam ser cuidadosamente ouvidos, mesmo que não sejam entendidos.
Às 12:00, no horário de almoço, caminho alguns passos e já estou em casa. Hoje eu planejo lavar roupa para aproveitar a previsão de que não fará tanto frio nos próximos dias, assim a secagem pode ser mais rápida.
Enquanto calça jeans fica de molho por um tempo eu decidi ir fazer algumas compras em uma pequena loja local. No caminho parei para tirar essa foto da paisagem local. Na minha opinião ela é um tanto quanto melancólica, lembrando muitas vezes cenários do século XV, como vejo nos filmes.
A variedade de produtos de nossa loja é de deixar muitos supermercados com inveja.
Essa é a vendedora e dona do supermercado. Ela também é o chefe da aldeia. Gerenciar isto tudo muitas vezes é bastante complicado.
Uma outra característica associada com essa área: venda de mercadorias sem dinheiro. Pensões, salários e outros benefícios são entregues aqui, juntamente com o jornal. Ou seja, não mais do que uma vez por mês, e uma dívida em dinheiro é algo que pode ser paga quando houver dinheiro. O mais interessante é que a entrega de dinheiro e jornais é apenas para os mais velhos. Portanto, eles recebem até descontos nas compras que fazem.
Produtos de carne de veado aqui são predominantes. Naryan-Mar é uma fábrica de processamento de carne. Para ser sincera é uma das melhores coisas que já comi na vida. E o cheiro o cheiro é saboroso também, chegando a dar água na boca.
Muitas vezes, quando não há nada para fazer, eu costumo comer um pão com carne de veado e fico observando sentada o viveiro.
Ao voltar parece que meu jeans já está em ordem, então é hora de seguir o próximo passo da lavagem.
Quando saio costumo colocar uma barra para fechar a porta. Não há fechadura e, na verdade, não precisa. É um povoado rural bem isolado, então a confiança que cada morador tem com o outro é comum no dia a dia.
A igreja local foi transportada para cá vinda de Pustozersk.
Este é Nikolay, uma morador local indo caçar. Aqui as pessoas têm duas atividades básicas para sobreviver: caça e pesca.
E aqui está a sauna local. Qualquer um dos moradores pode utilizá-la para se aquecer ou tomar um banho. Este quarto “público” serve para aqueles que não têm seu próprio. E para aqueles que por causa de sua idade ou debilidade já não podem mais carregar lenhas para aquecer a sua casa.
Depois de terminar todo o trabalho volto para casa para preparar meu jantar. Vou cozinhar um peixe com leite. A panela não é das melhores, mas serve bem para cozinhar meu jantar.
Após o jantar busquei um pouco mais de lenha. Note que a noite aqui não escurece durante essa época do ano. O verão conta com luz do dia quase interminável.
Mais um dia chegou ao fim e resolvo ir para a cama. Um dos inquilinos anteriores deixou o livro Vysotsky na casa. Estou ansiosa para começar a lê-lo.
Autora: Sara Rufina